sábado, 28 de fevereiro de 2009

Caleidoscópio


As esquinas andam sinuosas demais. Os becos estreitos demais. As noites se resguardam numa prudência insana de quem está prestes a dar o bote e botar pra fora e colocar pra dentro.
O silêncio anda me contando segredos em alfinetadas cortantes.
O aquário de pedras coloridas ao lado da fumaça envolvente transparece segredos imigrantes. De você pra mim. Migrantes. De mim pra você, num mutualismo surpreendente. Estou prestes a violentar minha calma. Tudo parece tão doce como sempre foi, mas aqui dentro o cheiro gustativo me mostra um caleidoscópio de coisas brilhantes meio enluaradas. Difícil de se fazer entender.
Os poucos livros enfileirados não gritam mais. Sussurram algo tão baixo que por um momento quase me desesperei achando que não podia ouvir, mas agora eu ouço.São como filigranas rabiscadas no meio das agulhas finas do silêncio. É quase visível.
A meia flor de duas pétalas negras e restante transparente está brotando da cera translúcida da vela verde que acendi dias atrás quando tive medo de dormir, acordar e perder. O vidro está rachado pela chama da vela que velou meu sono e quando apagou não falhou na missão: acordei e não perdi.
Há uma menininha de longas pernas e vestido preto que segura pequenas mensagens borradas por pingos de tinta. Verde é a cor da vez. Ela sorri de modo tão doce quanto eu. Suas longas pernas se parecem com as minhas. Se não fosse pelo vestido...
O Cálice. O pequeno cálice é o único que não fala. Para embebedar já basta o restante. Se ele falasse passaria de alegre a bêbada. Ele apenas guarda conchas e arames, chamas não. Quem chama é ele, a vela não. A chama da vela guarda o que às vezes temo que vá embora. O que o cálice chama atende ao pedido, ele guarda e aguarda.
Por um segundo quase achei que não voltaria. E dessa vez nem precisei acender a vela.

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