domingo, 27 de setembro de 2009

Promessa

  Com olhos injetados:
 
 -É que eu tenho medo... -soluço molhado- ... medo de que você não consiga ser feliz...
 -E de que você também não seja?
 -Não, - Eu já descobri o meu caminho, penso - medo de que você nunca encontre algo que te satisfaça, você não está feliz, está perdido e não sabe o que fazer.
 -Mas eu ainda vou achar. Responde com rosto seco.
 -Promete?


Soluço molhado.

domingo, 6 de setembro de 2009

Sinestesia


O abismo é meu melhor espelho.

Grito pra ele e ele me retorna: GRITO! ITO! Ito. ito...

Paro pra ouvir(-lo). (Me)ouço com atenção e sinto as cores da minha voz. Melhor que qualquer imagem refletida pseudossimétrica. Você sempre vê o que quer, mas não há como peneirar o verbo.



Paredes impermeáveis, não há como absorver o meio. Encaixotada e repetitiva.

na boca

Foi na boca.

Boca é palavra sugestiva. No começo é um som cheio, que preenche tudo; depois é oco, seco, faz eco. Pede recheioFoi na boca

Exílio


À minha direita caminha um velho e à minha esquerda há um cachorro. A rua é de uma claridade turva. Além destes, penso estar sendo seguida. Olho pra trás: desconfiança confirmada. Sem pretensão alguma um menino me observa. Continuo a caminhar no mesmo ritmo, sem medo nem autoconfiança.
  Estou cheirando a nada.
Percebo então, sem espanto algum que a rua está vazia. Não há pessoas, não há carros, apenas o barulho de (meus)passos (alheios), apenas o som típico do mundo que começa a funcionar aos poucos.
  Mais à minha frente reconheço o esboço de uma larga ponte de madeira bem grossa e muito antiga.
  Aos poucos percebo que depois da ponte há um jardim muito grande e bem no meio há uma árvore, nem frondosa nem indiferente e sem fruto algum. Os animais fora do Éden. Paro ao pé da ponte e sinto que aqueles três pares de olhos me dizem pra dar meia volta. Dou as costas para a ponte e ando com displicência meticulosa.
Olho para o chão, estou descalça e não sinto o asfalto. Recomeço a andar e epenso que a vida é engraçada.

Releitura


  Do incessante relógio ao ônibus desastroso. Penso lá fora.
  Encontro casual, moralidade sensual.

[Olhe nos meus olhos e o circo pega fogo.]

  Vozes guturais sendo reconhecidas. Estremecerei imaginando. Olhe aqui dentro e o circo. Eu o cerco. Me seco. Derreto. Dormirei pensando.

[E o fogo.]
 
  Na gaveta aberta, um frêmito de papéis sussurrados. Surrada, violentada e condenada beijarei a boca.

[E o circo pega.]

  Dos móbiles ao chão. Do colchão á coxa. Da mancha roxa. Te darei lá fora.

[E o fogo pega.]
 
  Cega, da bailarina à sapatilha, dedilho minha cítara o que outrora citara a Índia.

[Circo fogo.]

  Tragarei a fumaça envolvente e trago o envolvente. Trarei enquanto trago. Trago enquanto traço envolvente fumaça a tragada que trará o fogo pra mais perto.

[E o circo.]
 
  Levantarei da cama e olharei pela janela. Já está nela aquela foto. O retrato tratado como trato indelicado.Deliciado com a vista, o outro que agora é fulano e outrora cigano adorara, adorará, adornando e tornando mais indelicado entornará.

[E o fogo é o circo que pega.]

  E o animal fora do Éden come suculenta fruta enquanto desfruta lenta e sedentamente. Bom dia de trabalho.
  Levantarei da cama e olharei pela janela, pensarei lá fora e o circo pega fogo.
  E o diluído é um ácido fraco que o corrói, é uma frase solta aquilo envolta e o vão aquilo que o traz.

[E volta.]

  Solta.
  E solto, no desequilíbrio constante, pensaria só um instante em como seria pensar igual.

[Olhe nos meus olhos e pega.]