terça-feira, 14 de abril de 2009

Atestado de óbito


  Há certas coisas que não devem se mexidas, não devem ser feitas, não devem ser lembradas. Uma fatalidade ainda não possuir o dom dom de esquecer, mas minha tolerância relativa anda relativamente bem.

  Andei e corri pensando em deixar muita coisa. Me surpreendi em perceber que não havia melhor momento para colocar ação em meu verbo. Me surpreendi em perceber que o meu corpo está ficando mais velho e minha mente... mente e continua me traindo, dissimulada que é. Vou entrar no meu ano novo velha, cada vez mais inconsequente e mais consciente. Minha consciência me mata. A consciência de minhas ações me matam. Até o dia que minhas ações me matarem, ou o que vier primeiro.

  Deixo pra trás pequenos errinhos de integridade (fisica e moral) que gostaria de dizer que foram amorais.
  Deixo pra trás pequenos desfalques de minha memória que me provou que datas nem são assim tão importantes. Faço questão de perder alguns rastros que deixei por aí, por caminhos tão gastos. Faço questão de guardar um quase amor junto com aranhas, pois este necessita de teias e pó, em lugar seco e bem arejado: condições mínimas de armazenamento para consumo em pequenas e esporádicas doses.
Piso por cima de meus antigos e burlados conceitos de moralidade em meu palco particular, que foi quase uma religião. Nessa apostasia, aposto minha felicidade num final saudoso e apoteótico, digno do ultra-romantismo: a morte; a morte dos meus conceitos, dos meus pós conceitos antigos.
  Deixo registrada a morte e promulgo o atestado de óbito da abdicação pela responsabilidade de meus atos.
  Coloco meu diário de bordo acima da cabeça e volto os holofotes a ele. Revelo que tenho segredos, mas não quem. Grandes omissões esboçadas e turvas.
  Agora ainda mais detestável, faço um esforço descomunal para rachar minha máscara.